Quem nunca leu uma mensagem ou post escutando mentalmente a voz de quem escreveu?
A fala e a audição são tão impactantes que nos influenciam mesmo na leitura e na escrita. Afinal, ouvir e falar são as mais antigas das nossas habilidades com o idioma. Foi durante nossos primeiros anos de vida, quando não sabíamos ler, que aprendemos vocabulário e desenvolvemos estruturas gramaticais. Ouvíamos as pessoas à nossa volta.
A grande notícia é que podemos usar o falar e o ouvir para revisar um texto escrito.
Após sair do modo zumbi e ter a distância necessária para ler o que você realmente escreveu, leia o texto em voz alta.
#2. Leia em voz alta
A leitura em alto e bom som é bem menos veloz do que a leitura silenciosa. Esse ritmo torna possível uma revisão mais cuidadosa.
Ao escutar o texto em sua própria voz, você será capaz de perceber seus problemas, tais como:
- tom inadequado (seco, agressivo, vago, formal demais, etc.);
- palavras que estão rimando umas com as outras;
- frases truncadas ou de leitura desconfortável;
- palavras ou expressões repetidas;
- argumentos ou exemplos fracos;
- pontuação errada.
O mesmo desconforto que você perceber será sentido pelos seus leitores. Por outro lado, leitores acharão sua escrita mais clara e convidativa quando sua linguagem soar confortável na leitura em voz alta:
(…) se os estudantes lerem em voz alta cada frase que escreveram, e continuarem a revisar ou brincar com [o texto] até que soe certo na boca e soe certo no ouvido, a frase resultante será clara e forte. Esta é uma tradução mais clara: a frase resultante será muito mais clara e mais forte [quando testada em voz alta] do que se os autores confiassem apenas no seu entendimento de como as frases devam ser, ou seja, se confiassem no que sabem sobre regras ou princípios. [1]
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Referência
- Peter Elbow. Revising by reading aloud. What the mouth and ear know. p. 06. Tradução nossa.
Essa técnica é completamente contrária a um método de leitura bastante eficiente e que veio da Colômbia, o qual prevê justamente que não se deve ler nada em voz alta. O trabalho de revisor é, sim, lento, mas a leitura em voz alta torna-o mais lento. Além disso, há convenções gráficas que não têm conexão com a entonação da leitura em voz alta, além do fato de que se cometem vários erros na leitura, que não é ensinada corretamente nas escolas – ninguém, por exemplo, ensina a leitura de pontuação. E o pior: se formos aplicar a tonicidade correta, será muito mais difícil distinguir, com voz alta, fenômenos meramente gráficos como o acento grave indicador de crase, que na fala (ou leitura em voz alta, como é a sugestão, aqui) não se distingue de um simples “a” sem esse acento grave. A leitura “aa” é considerada incorreta. A “dica” parece uma daquelas de cursinho pré-vestibular, para quem não domina o assunto, coisa que um revisor não pode ser. O confronto do que se lê com o que deveria estar correto depende de conhecimento das normas da escrita, algo que não tem correlação com a leitura em voz alta. Não vejo ciência na sugestão, apenas uma prática que, a meu ver, não é útil para revisores, talvez seja boa para locutores.
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Obrigado pelo comentário, Claudionor.
Meu texto não é dirigido a revisores e preparadores de texto. Tampouco trata do ensino de português na escola. Há diferentes propósitos e diferentes públicos que precisam ser levados em consideração.
Sim, a proposta deste site, como sugerem seu nome e todas as postagens, é oferecer dicas (sem aspas!) para quem não é um profissional da linguagem. A sugestão dada aqui é ler em voz alta o próprio texto. Daí o benefício do ritmo mais lento de leitura.
Um revisor, tradutor ou preparador de originais sequer poderá ler aquelas 150 laudas em voz alta, não é mesmo? Ainda assim, muitos de nós utilizamos eventualmente tal recurso em alguma passagem.
Leitura em voz alta tende a ser prejudicial para compreensão de texto em sala de aula, quando do primeiro contato do aluno com um texto. Infelizmente, muitos professores de língua materna ou estrangeira não sabem disso. Por outro lado, a leitura em voz alta parece ser essencial para ensinar pontuação. Há vários estudos acadêmicos sobre os processos cognitivos envolvidos na leitura em voz alta e seu papel no ensino.
Eu nunca daria essa dica a um vestibulando, por motivos óbvios. Mas, com certeza, eu a daria a um mestrando tentando redigir um bom resumo da sua dissertação. Ou a um profissional tentando escrever um e-mail amigável sobre um assunto difícil.
Você deu uma olhadinha na referência acima? Nela, Peter Elbow afirma que a leitura em voz alta é a prática tradicional dos cursos de graduação em Cambridge e Oxford. É comum professores ouvirem a leitura de trabalhos pelos alunos, sem ter acesso à sua escrita. Na opinião dele, isso influencia positivamente a escrita acadêmica britânica, tornando-a mais acessível e desprovida de jargão, mesmo em comparação ao que ocorre nos EUA e Alemanha (p. 4).
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Admiro a sua persistência no argumento, mas, assim como professores de outros países podem ter suas experiências – que julgo limitadas ao meio acadêmico – com seus alunos, é possível encontrar quem tenha com relação ao ensino do português no Brasil outras experiências muito diferentes. Certa vez, alguém leu um poema que tinha escrito para uma sala de aula. Naturalmente, para poder ser ouvido, ele o leu em voz alta. Uma leitura atenta posterior, feita por alguém que não estava – digamos – impregnado do clima de euforia que tomou conta da sala de aula ao ouvir o texto, fez notar a seu leitor que o texto não tinha as qualidades que a classe teria atribuído a ele. Na realidade, o texto era recheado de clichês, não poderia nem ser considerado um bom poema, um especialista até questionou se aquele texto era, em si, um poema.
Devemos aprender corretamente as quatro instâncias de uso do idioma: ouvir, falar, ler e escrever. Quem aprende a ouvir corretamente e falar corretamente a pontuação, antes de ler um texto, poderá ter uma possibilidade de transferir essas virtudes a um texto escrito, quando o ler, seja em voz alta ou não, mas deverá estudar um pouco antes de conseguir pontuar, não dá para garantir acertos só com a leitura em voz alta.
A questão de proceder à leitura em voz alta ou não parece ter efeito nenhum – não há ciência que prove isso, repito! – sobre a eficiência do texto escrito. Se há enganos de entendimento devido a entonações diversas, derivadas de leituras em voz alta que induzam a certos sentidos pretendidos, nada há que me convença de que o que está escrito, que pode ser visto apenas como um roteiro para o leitor em voz alta, que pode ser um intérprete daquilo que alguém tentou escrever em uma forma unívoca, seja mais bem entendido numa leitura em voz alta, nem pelo próprio sujeito que escreveu o texto.
A tentativa de expor objetivamente o que se escreve, na forma a que alguns chamam de incontestável, é realmente uma grande epopeia. Não que não seja possível, mas é um trabalho árduo. Não há como reduzir o trabalho imenso de fazer-se entender a uma estratégia simplória de ler em voz alta. Isso escrito assim, sem nenhum tipo de averiguação das condições da leitura em voz alta, ou seja, sem um trabalho científico, é algo sem sentido. Respeito opiniões, mas sinto desconfiar de que se trata de mais uma simplificação de algo muito mais profundo, que é um verdadeiro conjunto de ações que poderão conduzir as pessoas a serem mais bem compreendidas por meio dos textos que produzem. Se alguém ler “aquilo é algo graaaaaaannnnde demais para ser aceito” e outro ler “aquilo é gândi dimais pra ser acêitu” (sim, “comendo” o r” e assimilando o “e” pelo “i” e o “o” pelo “u”), será que estão lendo a mesma coisa?
A sugestão da leitura em voz alta despreza a diversidade dos leitores e o fenômeno da entonação, da teatralidade da situação real. Isso apenas diz respeito a um fator da leitura em voz alta. Temos que pensar no contexto, em questões de situacionalidade, um dos fatores essenciais do fenômeno da textualidade (os estudos linguísticos mais avançados elencam sete). Se o texto não é para um público tal, nem para um público tal, tampouco para outro público, é restrito e destinado a quem? Com base em quê se diz que a leitura em voz alta parece ser útil para ensinar pontuação? “Parece”? Não se tem certeza disso? Qual a vivência por trás dessa ideia? Então, por que há fenômenos complexos na pontuação que fazem com que línguas distintas entendam diferentemente o uso de certos sinais de pontuação?
Ora, mas em inglês ler em voz alta significa algo diferente do que em português? E a pontuação redundante? Sim, há estudos de teoria do discurso que apontam o uso de vírgula meramente redundante em vários casos de pontuação empregados na escrita, possivelmente que não façam sentido. Isso ocorre em mais de um idioma. Então, como fica a leitura em voz alta para ensinar a pontuar? Ora, se a vírgula diante de um determinado tipo de conjunção é mera convenção gráfica, como é possível que, pela simples leitura em voz alta, alguém saiba disso? Se alguém a retirar, erroneamente, por apenas tentar aprender a pontuar a partir da leitura em voz alta de um texto que não tenha colocado a pontuação segundo as normas gramaticais (convenções ortográficas, que são convenções, não situações determinadas por algum método infalível), ele estará errando, ou seja, não estará aprendendo nada, apenas reproduzido erros. Se alguém aprende quando acerta, então ele não aprendeu nada, só errou.
Exemplo? Sim, um linguista francês renomado, autor de livros sobre teoria do discurso (Maingueneau) afirma que a vírgula com conjunção adversativa é redundante. Por que, então, a utilizamos? Por mera convenção gráfica. Também era desnecessário o acento em “leem”, “voo”. Ele existia por convenção. A justificativa dos gramáticos era “clareza gráfica”. Ninguém leria “vóo” ou “léem”, se não houvesse o acento. Por quê? Porque há tendências no idioma, há algumas leis sobre como ler vocábulos sem acento gráfico. Quem conhece as regras do idioma sabe perfeitamente disso.
E o que dizer de uma vírgula que é completamente irregular se admitirmos a lei fundamental de uso da vírgula que não permite separar o sujeito do seu verbo, mas que é utilizada à farta e até gera uma situação de leitura incorreta e leva a que o erro se perpetue em um exemplo como o que eu mesmo escrevi há pouco: “Quem conhece as regras do idioma, sabe perfeitamente disso”. O sujeito é “Quem conhece as regras do idioma”; o verbo é “sabe”. Há uma vírgula que eu erroneamente escrevi após “idioma”, que é utilizada à farta. Qual seria a entonação de um leitor que permitiria que alguém entendesse, numa leitura em voz alta, e aprendesse a pontuar, se a aposição da vírgula, pelas regras gramaticais, está incorreta?
Reafirmo que não quero discordar por discordar, mas, independentemente da fonte, se de Cambridge, Oxford, sei lá mais de onde, conheço várias ideias erradas que se espalharam pela humanidade durante séculos (há uma que tem mais de 500 anos), tidas como corretas por gênios inclusive.
Todos erramos. Peço apenas que as pessoas possam reavaliar conceitos, mesmo que vindos de fontes supostamente confiáveis – academia de lugar famoso ou não. Até Einstein cometeu um erro brutal ao referendar outro erro de um filósofo americano conceituado. Hoje a neurociência prova que uma frase que ele tornou famosa é completamente desprovida de sentido. E daí? O vulgo repete-a incessantemente (faz duas semanas, um motorista do Uber repetiu-a para mim, eu fiquei desapontado com a reação dele reafirmando duramente contra mim que ele estava certo – sei lá de onde tirou a certeza: será de Einstein? Mas Einstein, como ser humano, também erra e errou).
Para encerrar, tenho algumas questões que gostaria de ler em voz alta para aprender a… o quê, mesmo? Pontuar… Qual a diferença de leitura entre vírgulas, parênteses e travessões em situações de intercalação explicativa? Se há três opções de pontuação possível para uma mesma situação, então, será que a leitura em voz alta, que deveria ter uma entonação idêntica nos três casos, levaria alguém a inequivocamente utilizar uma pontuação? Será que a pessoa não teria que ter noções decorrentes de estudos de pontuação para aprender, antes de ler em voz alta, como pontuar?
Cuidado com certas estratégias e notícias e opiniões apressadas! Estudar sempre e com afinco, independentemente da profissão, da função e do uso da linguagem, ainda é a melhor estratégia, independentemente de sugestões simplistas que surjam todos os dias. Qual é o professor que nunca ouviu ou transmitiu maravilhosas dicas para esse ou aquele ponto considerado difícil da gramática? E o pior: se ele se aprofundar, verá que elas não são infalíveis e são facilmente superadas. Um abraço a todos, continuem produzindo e estudando sempre!
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Li a postagem, as réplicas e tréplicas, e achei muito apetitosa a discussão. Concordo em parte com o Claudionor. Realmente, a leitura em voz alta não resolve todos os problemas da linguagem escrita. Contudo essa modalidade de leitura traz benefícios inequívocos para o leitor em fase de aprendizado. Os especialistas em linguagem sabemos que um texto não deve ser lido de forma totalmente mecânica, com a mesma entonação do início ao fim, mas que a elevação ou diminuição do tom, bem como a celeridade ou lentidão de acordo com o momento do texto, são recursos brilhantemente treinados numa leitura em voz alta. Já vi alunos lendo textos de homenagem em formatura ou momento solene, textos cujo conteúdo era profundo e tocante, mas que foram empobrecidos e apequenados pela leitura inadequada. O aluno precisa conhecer os mecanismos de enriquecimento do texto, e para isso a leitura em voz alta é um grande contributo. Até a leitura silenciosa é aprimorada quando se aprende a correta colocação da fala. Não ignoro que vocês dois, Claudionor e Antônio Trevisan, saibam disso, estou apenas deixando minha opinião em defesa da leitura em voz alta. Abraço!
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